Rio de Janeiro no inverno
A brisa é fria mas o frio é eterno
Eu sigo a orla ao longo da Barra
A tarde avança mas ainda é clara
Não me é estranha essa sensação de caminhar a esmo
Seguir sem direção
Só, comigo mesmo
Sem me importar em ir ou voltar
Sem ter que chegar a algum lugar
Andar, andar, até cansar
Não interessa o que aconteça
Eu não tenho pressa
Eu sei, depois dessa ela prossegue ou só recomeça
Eu sinto o Sol
Eu sinto o seu calor ameno
Eu sigo só
Só, eu sigo, comigo mesmo
Eu sei que você pensa em mim e lembra de mim
Mas eu não sou assim como você vê
Como você pensa que eu possa ser
Você vê o meu corpo e pensa que sou eu
Ele não é eu ele não é meu
É só uma dádiva dada emprestada
Deus foi quem me deu por breve temporada
É só uma roupagem, densa embalagem
Aliás, nada me pertence nesse mundo
Tudo é transitório, tudo é ilusório
Ainda que se pense que o que se vê é pura realidade
Na verdade, o que se está a ver
Distorcido da eternidade
O Sol se esvai
A noite cai tão sutilmente
Conforme o Sol se vai
Eu sinto a terra girar quase que imperceptivelmente
Assim a gente vai
Seguindo rumos tão diferentes
Caminhos desiguais
Mais e mais distantes, continuamente
Mais e mais distantes, definitivamente
A cidade é um corpo disforme
Que se espalha enorme sobre a crosta terrena
Uma intrigante cena ela desperta e dorme
E deixa alguns espasmos
Ou então se consome em todo o seu marasmo
Um mundo formigante, milhões de habitantes
Todos tão imersos em seus universos
Presos aos grilhões do não saber
Das limitações de todo ser vivente dessa dimensão
Almas presas aos corpos
Sob espesso véu de ilusão
Até que estes estejam mortos
E verão que corpo é só casual
Composição genética, constituição carnal
Eu poderia nascer indiano, sino africano, viver muitos anos
Pra depois morrer e voltar a nascer
Porque então tanta animosidade
Se alma não tem nacionalidade
Alma não tem cor, alma não tem sexo
Esse papo de alma gêmea não tem nexo
Eu vejo o céu
Atrás do véu de ilusão
Um doce lar
Além do mar da imensidão