Já não posso mais sorrir
Já não quero mais chorar
Tanta coisa a me afligir
Não sei se vou mais gritar
Nessa louca solidão, quem diabo irá me ouvir?
Sem amor ou compaixão, o que resta pra sentir?
Já não posso me erguer
Para quê vou levantar?
No estalar de um chicote ou num tronco encontrar
Toda a dor que me persegue, como um pobre pecador
Também sou filho de Deus,não mereço tal horror
Se um dia isso chega ao fim, posso até morrer feliz
Uma casa pra morar, os meus filhos pra criar
Sem correntes a prender, capitães a me bater
Se passou aqui, lamento enfim: confesso que não vi
Já não posso mais correr
Já não quero mais lutar
Tanto esforço pra dormir
E na certa acordar
Na peleja corriqueira, obrigados a sofrer
São milhões iguais a mim, condenados ao nascer
Já não há outra saída, só buscar conformação
Nesse mundo quem foi bicho nunca vai ser cidadão
De que vale esse papel, se com ele nem consigo
Afastar o forte banzo que carrego aqui comigo?
É escuro, anoiteceu, eu sei
Lamentar é natural
Pelo sangue derramado, pelo corpo agoniado
A ferida que se fez, no futuro irá talvez
Se cobrir no véu imundo de uma história sem final
Vai! Antes do amanhecer, antes de padecer
Some nas cores do arrebol
Vai! Sem procurar um norte, se acaso te chega a morte
Alto no céu, virá um novo sol
A verdade se escondeu, eu sei
Esquecer é tão normal
De um povo entregue à sorte
Moribundo, ainda sofre
No relato que passei
Na canção que aqui deixei
A memória do malungo sobrevive a todo mal